Sobre a brevidade da Vida - Sêneca
- Carolini Melo
- 8 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de abr. de 2024
A vida é realmente breve?
Em 2019, após ler as cartas do filósofo grego, SÊNECA, senti aquele súbito estalo que chamamos de “cair a ficha”. Eu nunca poderia imaginar que fosse encontrar em um livreto, com 62 páginas, uma das mais importantes lições de vida que muitas pessoas demoram anos para aprender. Apesar de ter sido escrito por volta do ano 50d.C, o livro parece mais atual do que nunca, pois dialoga com os principais dilemas da modernidade, em especial com a nossa completa incapacidade de perceber o valor do TEMPO.
Por meio de insights poderosos, o filósofo nos mostra a desproporcional relação entre a maneira como enxergamos a nossa vida e a forma como dispomos do nosso tempo, fazendo-nos perceber como nos enganamos ao pensar que usufruímos do nosso tempo, quando, na verdade, estamos apenas nos ocupando de nulidades.
Para o filósofo, é evidente: não temos uma vida breve, somos nós que a fazemos breve. A vida é bastante extensa para quem dela bem dispõe.
Partindo dessas afirmações, o autor descreve quais as principais feridas da alma humana. Daí a percepção de que o livro parece ter sido escrito nos dias de hoje, pois os problemas apontados por ele são as atuais queixas recebidas nas clínicas de psicologia.
Sêneca denuncia que muitas pessoas passam grande parte de suas vidas vivendo como um barco perdido que, após sair do porto, em meio a uma violenta tempestade que o faz navegar em círculos, acredita ter navegando muito e chegado longe, sem, contudo, ter saído do lugar.
Esse exemplo serve para direcionar a nossa atenção para um grande problema: apesar de percebermos a passagem do tempo (horas, dias, anos), o automatismo das circunstâncias, a incessante busca e apego pela satisfação de nossos desejos, nossa constante agitação e expectativa pelo futuro, nos impedem de enxergar o que realmente importa: nós mesmos.
Achamos que vivemos, quando na verdade estamos apenas respondendo às demandas externas, vivendo para os outros, sendo escravos de nossos anseios futuros ou de nossos prazeres mais imediatos. Em última instância, apenas deixando o tempo passar.
“Então, não há motivo para pensares que alguém viveu longamente só por causa dos cabelos brancos ou das rugas: ele não viveu longo tempo, mas existiu longo tempo.”
Pág.18
Sêneca fica abismado com nossa incapacidade de perceber que, naturalmente, hesitamos em compartilhar ou dar às outras pessoas itens do nosso patrimônio material, como dinheiro ou propriedade, mas quando se trata do nosso tempo, algo que realmente tem valor, fazemos questão de distribuí-lo facilmente, sem qualquer restrição.
Você já refletiu sobre a forma como você utiliza o seu tempo? Consegue mensurar quanto tempo você realmente usa com você? Já parou para olhar para si?
São esses os questionamentos que o livro propõe.
Torna-se claro que, quando não temos consciência do valor do tempo e não o dedicamos a nós mesmos, ficamos fadados às agitações, às angústias, ao medo e aos desejos, fórmula perfeita para nos fazer permanecer sempre no mesmo lugar e na constante sensação de tédio do presente e ânsia do futuro. Negligenciamos o aqui e o agora, postergando a felicidade, a concretização de sonhos e a promessa de viver para si no futuro.
“A vida irá se afastar entre as ocupações.
O tempo para si nunca será uma realidade, mas sempre um desejo."
Pág.32
O verdadeiro progresso, a real evolução, aquela que faz o barco realmente navegar, independente das tempestades que aparecem pelo caminho, acontece quando paramos e olhamos para dentro do nosso ser e adquirimos a consciência do incrível valor do nosso tempo. A partir daí, aprendemos a utilizá-lo com mais sabedoria para ordenação da própria vida.
Encontramos no livro uma receita simples da arte de melhor dispor de nosso tempo: Viver cada dia como se fosse o último, como se fosse uma vida, considerando as seguintes premissas:
1- Entender, em primeiro lugar, que a arte de viver é, antes de tudo, durante toda a vida, a arte de aprender a morrer. Pensar na morte é a maneira mais fácil de criar consciência sobre o valor da vida, do presente e de cada pequena singularidade cotidiana.
2- Buscar uma conexão com tudo aquilo que é duradouro, verdadeiro e eterno.
3- Buscar os valores mais elevados e mais transcendentais. Traduzi-los para a vida objetiva e aprender a aplicá-los nas situações concretas do dia-a-dia.
4- Não se deixar abater pelos sofrimentos e percalços da vida. Isso não quer dizer que devemos negligenciá-los, mas sim atribuir a eles o devido e correto valor. Nas palavras de Sêneca:
“Não é invulnerável algo que não recebe um golpe, mas aquilo que não sofre ferimento.”
Pág. 42
5- E, por último, enxergar as formas mais sutis de desperdiçar o nosso tempo: o valor que atribuímos às injurias, críticas e contumélias alheias, deixando-nos ressentidos.
“Liberdade é situar o ânimo acima das injurias e constituir-se como um ser cuja felicidade lhe venha unicamente de si;
é separar de si os eventos exteriores para não ter de levar uma vida atormentada, a temer o riso de todos, a língua de todos."
Pág. 61
DICA DE FILME
Vou deixar a indicação de um filme que fala exatamente sobre a importância do tempo: About Time. Disponível no Prime da Amazon, esse filme tá longe de ser uma simples comédia romântica. Para quem já assistiu, deixo aqui a reflexão final do filme que vale muito a pena ver de novo!!!! (Atenção: spoiler)
Comments